Possibilidade de contratação de advogado pela administração pública por inexibilidade de licitação

11/12/2019

Por Johnny Soares de Oliveira

A inexigibilidade para a contratação de serviços jurídicos muito se discute nos Tribunais de Contas e também no Judiciário, tanto por provocação do Ministério Público (por ações civis públicas por ato de improbidade administrativa), ou até mesmo do próprio cidadão utilizando-se da ação popular.

Inicialmente, dada a problemática que insiste em pairar, faz-se necessário trazer o entendimento conceitual de Joel de Menezes Niebuhr, que assim observa em sua lição:

Os serviços de natureza jurídica são prestados por profissionais técnicos especializados, já que requerem o bacharelado em Direito e a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, não são serviços prestados por qualquer profissional, mas só aqueles especialmente qualificados, em vista do que a contratação deles pode fundar-se no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, desde que respeitados os pressupostos [...].

A contratação por inexigibilidade dos serviços jurídicos segue as mesmas regras dispostas para os casos de serviços técnicos de natureza singular, isto é, devem ser observados os pressupostos objetivos e subjetivos, bem como justificativa pela Administração Pública.

Entretanto, quando se trata de contratação de advogado não há como deixar de exigir, sobretudo, a experiência profissional, vale dizer, efetivo exercício da advocacia de forma continuada no setor da especialização, ou exercício de cargos de magistério, da magistratura e nas procuradorias jurídicas estatais, inclusive no Ministério Público, nos quais a matéria ali tenha sido cuidada pelo profissional, do que terá dado mostra mediante a publicação de votos, sentenças, artigos de doutrina, pareceres, certificados e diplomas acadêmicos (pós-graduação, mestrado, doutorado, etc...).

Na análise simples da Lei note-se que a contratação de serviços técnico-profissionais, incluindo os de advogado, quando este possui notória especialização e sua atuação profissional se faz de relevância para a Administração Pública, deverá considerado inexigível a licitação. Assim deveria ser o entendimento unânime, mas sabemos que ainda existe algumas divergências.

Observados os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, é inerente que a conduta majoritária prevalece no sentido de admitir a possibilidade da contratação, por Inexibilidade de licitação, de advogados pelo Poder Público, salvo exceção que não seja constituída a notória especialização, seja como advogado ou como escritório de advocacia, bem como a prévia justificativa prevista no art. 26 da Lei nº 8.666/1993.

Tal entendimento, por exemplo, foi adotado pelo Ministro Herman Benjamin, quando do julgamento do Recurso Especial 1.505.356/MG, que trata-se originariamente de ação de improbidade administrativa, entre o município Visconde do Rio Branco e o Ministério Público do Estado. Restou assentado, no caso em comento, não ser irregular a contratação de advogado, pois comprovada a notória especialização.

Sem aprofundar intensamente no tema, é importante destacar que existente a possibilidade de contratação de advogado mesmo em órgãos que possuam departamento ou procuradoria constituída, mas não é aqui objeto de análise. Por outro lado, temos que dizer que os órgãos públicos que não possuem corpo jurídico, não há o que se objetar a contratação de terceiros para a prestação de serviços jurídicos. Como não há quem represente os interesses dessas entidades, é imperativo que elas contratem terceiros, estranhos aos seus quadros, sob a condição de prejuízo ao interesse público. (NIEBUHR, 2015, p. 179).

Percebe-se que várias são as questões que envolvem a inexigibilidade de licitação em se tratando de serviços advocatícios. A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça em diversas situações, sendo proferidas decisões favoráveis e contrárias. Registre-se, em especial, o Recurso Especial nº 488.842/SP, julgado ainda no ano de 2008. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério do Estado de São Paulo em desfavor da Prefeitura Municipal de Itatiba e outros, visando a declaração de nulidade de contrato firmado para a prestação de serviços jurídicos sem a realização de processo licitatório. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou improcedentes os pedidos, destacando a presença dos requisitos de legalidade e moralidade, bem como a inexigibilidade de licitação para a contratação de advogado. Porém, foi interposto recurso especial pelo Ministério Público.

De relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso do MP, adotando-se como voto para o acórdão o proferido pelo Ministro Castro Meira, já que o relator foi voto vencido.

Assim, assentou a Corte o entendimento de que a contração com dispensa de licitação viola os ditames legais, mormente os arts. 3º, 13 e 25 da Lei de Licitação, pois ausente a singularidade do objeto contratado e a notória especialização do profissional da advocacia, configurando ato ilegal.

A questão então foi levada, em sede de recurso extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 656.558/SP, que foi julgado conjuntamente ao Recurso Extraordinário nº 610.523/SP. A temática, dada a sua relevância, é objeto de repercussão geral na mais alta Corte do país, tenho esta sido reconhecida após decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento 791.811/SP.

Cumpre esclarecer, também, que o julgamento foi suspendo em meados de 2017, após proferido voto pelo Relator, dando provimento ao recurso. Portanto, aqui serão tecidas algumas considerações sobre o referido voto, sendo o ponto central a se responder, levantado pelo Ministro Dias Toffoli, a seguinte questão: "é constitucional a regra inserta no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que estabelece a possibilidade de inexigibilidade de licitação para contratação de serviços técnicos [...]", aqui compreendidos aqueles relacionados no art. 13 do mesmo diploma legal?

Após tecer inúmeras considerações sobre a probidade administrativa, e a preocupação do Estado em reprimir condutas ímprobas ao longo da história, o Ministro Relator adentrou na análise da problemática da contratação de serviços técnicos profissionais especializados de natureza singular, destacando a complexidade da questão, principalmente pela possibilidade de haver pluralidade de pessoas capazes de prestar o almejado serviço junto à Administração Pública.

Complementa o Relator destacando que há serviços técnicos que podem ser prestados por vários profissionais, embora alguns demandem de fato "primor técnico diferenciado, detido por pequena ou individualizada parcela de pessoas". Exige, como destaca, "toque do especialista", e daí a relevância das características subjetivas. Logo, conclui que mesmo havendo vários especialistas aptos a prestar determinado serviço, as características pessoais podem sim, justificar a inexigibilidade da licitação, sem que se consagre a discricionariedade irrestrita do administrador público.

Nesse contexto o Ministro Relator propõe a aprovação da seguinte tese, que aqui nos interessa, com repercussão geral:

[...] a) É constitucional a regra inserta no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que estabelece ser inexigível a licitação para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13 dessa lei, desde que i) preenchidos os requisitos nela estabelecidos, ii) não haja norma impeditiva à contratação nesses termos e iii) eles tenham natureza singular e sejam prestados por profissionais ou empresas de notória especialização, inclusive no que tange à execução de serviços de consultoria, patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.

Como a questão está pendente de julgamento, sabe-se que as teses supracitadas podem ser alteradas. Contudo, se prevalecer, não há o que se falar em ilegalidade de contratação de advogado sem realização de licitação, desde que preenchidos os requisitos elencados no inciso II, do art. 25 da Lei de Licitação; de que não haja norma impeditiva de contratação nestes casos; e que, principalmente, seja o serviço de natureza singular e prestado por profissional ou empresa de notória especialização.

Assim como ocorre no âmbito do Judiciário, a questão também fomenta debates na seara legislativa. Tem-se, em tramitação, o Projeto de Lei nº 10.980, de 2018, de autoria do Deputado Federal do DEM/PB, Efraim Filho, apresentado em 13 de novembro de 2018, cujo objetivo é acrescentar os § 3º e 4§ ao art. 3º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), para dispor sobre a natureza singular e notória dos serviços advocatícios.

Veja que pretende a adiantada proposição legislativa que os §§ 3º e 4º do art.3º do citado Estatuto da Advocacia, como se extrai da proposição legislativa em comento, definir a seguinte redação:

§3º Os serviços profissionais advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização nos termos da Lei.

§4º Considera-se notória especialização o profissional ou sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Em sua justificativa o autor da proposição legislativa em comento ressalta que o advogado passa, ao longo da graduação e mesmo após, por um rigoroso processo seletivo, complexidade que se justifica pelo fato exercer função essencial à administração da justiça. Mas lembra que por inexistir previsão legal quanto a natureza técnica e singular da profissão, interpretações diversas ocorrem, sendo justo o debate junto ao Congresso para considerar os serviços do advogado de natureza técnica e singular, em razão da especialização intelectual e da confiança outorgada pelo contratante.

Resta evidente, portanto, que presentes os requisitos legais, em especial os elementos subjetivos que caracterizam o serviço do advogado como de natureza técnica e singular, se justifica a inexigibilidade de licitação. Logo, a aprovação do referido Projeto de Lei tende a contribuir para sanar as divergências, assim como o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal pode corroborar para pôr fim aos debates e insegurança jurídica que paira na atualidade sobre a contratação de profissionais da advocacia, pela Administração Pública, sem licitação.

No entendimento racional e tecnicamente estruturado parece-nos claro que os serviços do advogado são, por natureza, técnicos e singulares, se for comprovada a notória especialização.

De qualquer sorte, embora perceba-se que as decisões e os entendimentos travados no ambiente judicial, nas Cortes de Contas, no Congresso Nacional e até na doutrina tendam a reconhecer a possibilidade e legalidade das contratações de serviços advocatícios sem de licitação, mostra-se abusivo, devendo ser de plano rechaçada qualquer investida do Ministério Público, nesses casos, contra o advogado parecerista, vez que este não pode sofre qualquer sanção pelo fato, de tão somente, exercer sua profissão e expressar sua opinião técnica jurídica, hipótese em que, inclusive, viola as mais basilares prerrogativas profissionais da advocacia, que é a liberdade.

Para finalizar e voltando ao tema aqui brevemente discutido, pode-se concluir que, embora a contratação sem procedimento licitatório seja ambígua e ponha em ênfase a questão do princípio da moralidade e legalidade, deve ser levado em conta que, o administrador público constitui do conjunto de princípios norteadores, tanto da Administração Pública quanto do procedimento licitatório, presentes na Lei nº 8.666/1993, e que combinados com a discricionariedade do administrador farão a escolha de melhor vantagem para o interesse público, possibilitando sim a contratação de advogado, com notória especialização, com o chamado "toque de especialista", sem licitação.

Ainda, da análise Lei de Licitações, em seu corpo legislativo, é possível compreender quais situações são passíveis da inexigibilidade e quais os requisitos que tornam o objeto da licitação inexigível. Ainda, ressalva que, não somente deverão ser cumpridos os requisitos presentes no art. 13 da Lei nº 8.666/1993, como a notória especialização, mas também, a justificativa da escolha, como fica disposto no art. 26 do mesmo diploma legal.

Destarte, se presentes tais requisitos, não há que se falar em ilegalidade da contratação de advogado sem licitação pelo administrador público. Contudo, fica desde já a sugestão para futuros estudos, haja vista a existência de julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal e, também, de projeto de lei em tramitação, que tendem a contribuir para dirimir as controvérsias que ainda pairam sobre o tema.